Hans Bellmer
Ano, local de nascimento 1902, Alemanha
Ano, local de morte 1975, França
A infância de Hans Bellmer é marcada pelo terror que o seu pai, tirano, lhe inspira. Em 1920, é obrigado a trabalhar numa mina de carvão e numa fundição; depois, em 1923, inscreve-se na Technische Hochschule de Berlim para tornar-se engenheiro. No ano seguinte, Hans Bellmer abandona os estudos, lê Marx e Lenine, conhece os dadaístas e torna-se amigo de Otto Dix e Georges Grosz. Trabalha então como tipógrafo. A sua virtuosidade na prática do desenho é notória. Em 1927, torna-se desenhador de publicidade industrial e abre uma agência. Destes primeiros anos há a destacar também uma visita, em 1932, ao Unterlinden Musée de Colmar, onde o retábulo de Matthias Grünewald deixa nele uma forte impressão.
Quando os nazis chegam ao poder, em 1933, Bellmer rebela-se contra o regime e contra o seu pai (inventa uma mistificação, fazendo crer que é de origem judia). E para traduzir essa rejeição de qualquer autoridade, elabora, em 1934, qual artesão genial, uma obra incrível: Die Puppe [A Boneca]. Trata-se de uma escultura representando, quase em tamanho real (1,40 m), uma jovem somente vestida de meias brancas e sapatinhos rasos pretos, constituída por vários elementos articulados uns com outros por meio de jogos de esferas. Esta iniciativa é, sem dúvida, consequência da leitura das cartas de Oskar Kokoschka a Hermine Moos, publicadas por aquele pintor austríaco (Der Fetisch, 1925) e de uma representação teatral, em 1932, de Copélia, dos Contos de Hoffmann, onde uma boneca é usada como veículo de obsessões pessoais. Bellmer multiplica as variações de posição da boneca, que regista fotograficamente. A provocadora boneca torna-se então instrumento de uma nova ambição e de uma nova investigação, uma reflexão inédita sobre o corpo. Publica um livro de fotografias da sua boneca. O Terceiro Reich qualificará o seu trabalho de «arte degenerada», mas os surrealistas de Paris (que Bellmer conhece em Paris no final de 1934) entusiasmam-se com o erotismo que emana daquela escultura, com a sua «beleza convulsiva», com a forma como Bellmer entende desvendar a «mecânica do desejo» e desmascarar «o inconsciente físico» que nos domina. Em 1935, a revista Minotaure publica as suas fotografias sob o título «Variações sobre a montagem de uma menor articulada». Appliquée, poema de Paul Éluard é ilustrado por quatro fotografias suas. Um número especial da Cahiers d’art, de 1936, consagrado ao objeto surrealista, dedica-lhe um grande destaque. Em 1937, Bellmer desenvolve – graças à articulação de jogos de esferas – uma segunda boneca: La Mitrailleuse en état de grâce [A (mulher da) metralhadora em estado de graça]. Com uma virtuosidade avassaladora, executa desenhos as diferentes posições da Boneca.
Em 1938, após a morte da sua mulher, perseguida pelos nazis, instala-se em França e convive com os surrealistas. Faz amizade em particular com Yves Tanguy e Éluard. Ilustra Une Demande en mariage de Gisèle Prassinos e Œillets ciselés en branche de Georges Hugnet. Na revista Messages, Éluard publica Jeux vagues la poupée [Jogos vagos a boneca] inspirada pela segunda escultura. Bellmer é nesta altura apanhado pela guerra: em setembro de 1939 é preso no campo de Milles, perto de Aix-en-Provence, por ser cidadão alemão, reencontrando os seus camaradas Ferdinand Springer e Max Ernst. A seguir é levado para a prisão de Forcalquier. Consegue libertar-se mas não pode deixar a França. Refugia-se em Castres e vive na clandestinidade até à libertação, na região de Toulouse e Carcassonne, onde conhece Joel Bousquet. Quando regressa a Paris, em 1945, expõe na Galerie Luxembourg (com um prefácio de Bousquet) e começa a fazer gravura para ilustrar L’Histoire de l’oeil de Georges Bataille (sob o pseudónimo de Lord Auch). O seu Chapeau-Mains [Chapéu-Mãos] serve de cartaz à Exposition international du surréalisme [Exposição internacional do surrealismo]na Galerie Beaux-arts, em Paris, em 1947. Os anos que se seguem são difíceis, apesar dos encontros e das colaborações. Ilustra novamente obras de Bataille, Madame Edwarda (sob o pseudónimo de Pierre Angélique), de René Crevel, Feuilles éparses, de Pauline Réage, Histoire d’O, e de Louis Aragon, Irène, e publica Le Petit traité de morale inspirado nos textos de Sade. Unica Zürn, que conhece em 1953, trabalha com ele.
O reconhecimento e o fim das preocupações materiais só acontecem em meados da década de 1960 com uma retrospetiva em Ulm e o interesse de galerias como as de Daniel Cordier e André-François Petit. A sua primeira exposição na galeria de Cordier, em 1963, provoca um escândalo, apesar de alguns dos seus desenhos mais ousados serem apresentados numa divisão de acesso reservado. A sua obra obsessiva, violenta e subversiva, com o traço digno dos grandes desenhadores maneiristas, explorou os mecanismos do erotismo. Com grande refinamento e cheios de audácia, os seus desenhos, gravuras ou (raras) pinturas retranscrevem as pulsões secretas, as transferências dos sentidos, as ambivalências do corpo erótico.
AC
Obras
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1956